A bola dorme no pé de Kvaratskhelia

Marcus Arboés
4 min readFeb 22, 2023

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Quem é o melhor jogador da temporada 2022–23? Eu não sei, mas sei qual o jogador que mais tenho gostado de assistir no ano: Kvaratskhelia, o “Kvaradona”, sensação georgiana do Napoli.

Foto: Giuseppe Maffia/Getty Images

Confesso que só havia visto esse nome em uma oportunidade, quando a Geórgia venceu a Suécia por 2 a 0 e ele foi o protagonista daquele dia, mas não imaginava que o veria comoum dos melhores do mundo.

Khvicha Kvaratskhelia. Sinceramente? Não sei como se pronuncia o nome, mas essa complicação da pronúncia georgiana pode ser simplificada pelo apelido carinhoso “Kvaradona”. Presunçosa comparação, né? Não sei até que ponto, pelo que o camisa 77 tem mostrado dentro de campo.

Se o nome complica, ele simplifica em campo, a cada toque, mostrando um talento diferenciado na sua principal característica: o controle da bola. O drible inusitado, a decisão no último segundo, o passe milimétrico e a finalização precisa acima da média são detalhes que surgem do controle de bola.

Em alguns gols, imita Stephen Curry, com a comemoração “night, night”, como na foto acima. O astro armador do basquete explicou de onde surgiu o gesto:

“Na reta final do quarto período contra o Nuggets, eu estava falando comigo mesmo: ‘Coloque-os para dormir. Coloque-os para dormir’.”

A lógica para Kvara deve ser a mesma. Não sei! Mas ele sempre coloca a bola para dormir. E aqui voltamos ao controle da bola, com um talento pouco visto no futebol atual. A bola parece parte do seu corpo, ele controla o movimento dela de forma precisa, quando chega, como amortece, como e quando sai, para onde vai.

Os movimentos corporais e o contato com a bola parecem naturais, como os de uma criança feliz jogando futebol. O termo “criança feliz” me remete a um momento da vida onde entender taticamente do jogo e saber diferenciar quem são os melhores não importava.

Quando menino, me importava falar de quais jogadores eu gostava mais. Kvaratskhelia, hoje, é um desses. Um cara que me diverte quando joga. Ronaldinho Gaúcho, Özil, Ibrahimovic… esses caras me divertiam muito.

Khvicha tem algo em comum com esses caras: faz o inesperado.

A arte da imprevisibilidade

“Kvaratskhelia não precisa de direção. Sua imprevisibilidade permite que ele transforme o comum em extraordinário. Jogadores como ele não precisam de instruções específicas, ele consegue pegar a bola, vencer seu adversário e produzir um momento decisivo.” — Spalletti, técnico do Napoli

A cada dia que passa, os espaços no futebol ficam mais curtos, a intensidade e a imposição física se tornam mais e mais importantes. Os modelos de jogo mais modernos e valorizados muitas vezes se tornam mecanizados demais ou previsíveis.

Em resumo, os jogos e as jogadas ficam a cada vez mais parecidos. Nós vamos consumindo o produto futebol desse jeito, quase robotizado. Então, quando alguém faz o diferente, quando a bola dorme no pé, a criança lá dentro de nós acorda e se empolga um pouquinho.

O ponta do Napoli nos oferece isso pela maneira como encontra soluções, mesmo nesses espaços mais curtos, contra táticas sólidas e defesas organizadas, com pressões bem feitas.

É um jogador que se desprende da tática, que se desprende da organização do time. Livre, autêntico, caótico e muito imprevisível.

Pode ser um giro de corpo, um corta luz, um passe de primeira, dois toques para girar em cima do marcador, um drible curto mudando rapidamente de direção, um arranque inesperado. Um drible para dentro com um chute de chapa ou uma jogada individual na linha de fundo terminando num cruzamento de elite. Ele oferece tudo.

Essa possibilidade de oferecer tudo é o que mais deve complicar a vida de um zagueiro que duela com o sucessor de Maradona. No último segundo, o zagueiro não sabe se ele vai driblar por um lado, pelo outro, por baixo das pernas, se vai tocar de primeira ou chutar.

É insuportável marcar esse tipo de jogador. Também deve ser insuportável para um treinador controlador que queria que os pontas fiquem presos do lado do campo, evitar que Kvaratskhelia flutue pelo campo, carregue a bola pro meio ou, intuitivamente, busque se aproximar de onde a bola está.

Que os chatos não suportem e nós saibamos aproveitar o “desobediente” e imprevisível futebol genial de Khvicha.

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Written by Marcus Arboés

Aqui é um pouco de mim, sem amarras. Falo do que me empolga.

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