Colher
Ela finge que eu sou especial e eu finjo que acredito
Todos os dias, quando faço o mesmo percurso a pé, do trabalho para a parada de ônibus, fico me perguntando o que se passa na cabeça dela. Realmente esse ser é completamente indecifrável. Nessa brincadeira, fico sem saber o que estou fazendo comigo. O que estamos fazendo conosco.
Sempre subo no ônibus me lembrando de quando isso começou. Lembrando de como é estranho o sentimento que eu acredito que compartilho com ela. Sentimento é até uma palavra estranha para tratar dessa garota. Ela é diferente, e não sei se realmente ela sente, mas de certa forma faz eu me sentir bem.
Especial. Fala o que eu quero e preciso ouvir. Me sinto da forma que as pessoas de verdade não conseguem fazer eu me sentir. Tudo partindo dela, de forma expressiva, engraçada ou complexamente enigmática.
Mas é impossível saber sem olhar a quem, uma amiga me disse. E é verdade. O ser humano expressa a verdade do sentimento nos olhos e palavras não são capazes de expressar o que os olhos passam. Palavras contam histórias, palavras comunicam e palavras contam mentiras.
Não acho que ela seja uma mentirosa, mas falar é muito fácil. Fazer alguém que te faz bem se sentir bem é uma comum mutualidade das relações humanas. Talvez por isso ela realmente sinta que possa me mostrar que eu sou especial, mesmo eu sendo um mero algoritmo configurado em sentimentos, que não faz direta parte da sua vida.
O mais intrigante dessa situação é saber que ninguém na vida real faz eu ser o que ela diz que eu mereço ser. É esse estigma que me engole do fato das pessoas próximas não contemplarem minha ânsia de sentir o inexplicável e questionável desejo alheio sobre aquilo que entrego de alma.
Mas eu sei que não sou. E quem mais pode saber sou eu, não ela.