Por que Kimetsu no Yaiba é um shonen tão cativante?
Esse foi o primeiro final de semana sem Kimetsu no Yaiba/Demon Slayer e eu passei o sábado me perguntando como um anime shonen conseguiu me prender tanto a ponto de eu criar expectativa sobre cada episódio.
Eu comecei a ver num episódio perdido, na casa de um amigo meu. Ele me “vendeu” o anime com muita empolgação, mas já fazia um bom tempo que eu não assistia um shonen e me apegava a ele de primeira, só pelo visual.
Comecei a notar que Kimetsu não era especial só para mim, mas todo mundo tava acompanhando e compartilhando, até um professor de educação física que eu tive quando era criança compartilhou conteúdo de Demon Slayer.
Primeiro, para mim, depois para as outras pessoas, procurei nesse texto explicar o porquê de Kimetsu no Yaiba ser tão cativante e incrível, mesmo sendo um shonen da era moderna.
Antes de começar a explicar, preciso destrinchar um pouco sobre a mudança que os shonens tiveram durante as últimas eras. Primeiro na quantidade de episódios, os animes lançam hoje em formato Mega Hit — separados em temporadas das estações, com 10 a 26 episódios.
Essa é uma maneira das produtoras e das televisões lucrarem mais por lá, e realmente vende bem mais, mas acaba atrapalhando a sequência de muitos títulos, já que muitas vezes, nessas pausas, alguém da equipe muda, a produtora muda, a direção de arte muda… enfim, muitos animes acabam se perdendo de temporada para temporada.
Devido a isso, muitos animes viraram um mero produto (não, eu não sou burro de saber que todo anime é um produto que visa lucro), perdendo parte do simbolismo e do impacto expressado por um shonen, como Nanatsu no Taizai e Boku no Hero, que, mesmo com o hype e muitas qualidades, são cheios de deficiência.
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Agora sim.
Dentre todos os motivos aqui explicitados, alguns podem aparecer em outros animes shonen da atualidade, mas nenhum vai abraçar todos da maneira que Kimetsu consegue.
10 motivos que tornam Demon Slayer especial:
- O anime tem uma temática séria, densa e pesada.
Sim, obviamente o anime tem humor, é um shonen afinal, mas fazia muito tempo que eu não assistia um título do gênero que tivesse a pegada intensa e dramática dessa forma. O drama em muitos outros animes shonen, hoje, se apega só ao romantismo e ao sentimentalismo heroico — que são legais, também — , mas transformar uma história trágica em shonen é muito complicado.
Kimetsu consegue isso na construção (até rápida) das motivações do protagonista, além de representar as mortes de maneira sangrenta e sem pudores. Talvez eu tenha curtido isso por ter lido Tokyo Ghoul e me apegado a mortes pesadas. - Design de personagens.
O primeiro personagem que eu vi e fiquei “caraalho” foi Rui. Até comentei com meu amigo no dia, dizendo que o design de vilão era muito bom. Só de bater o olho, eu não tinha me ligado que estava lidando com um artista incrível.
O character designer de Kimetsu é UM MONSTRO. Estamos falando de Akira Matsushima. Diretor de animação de 11 episódios de Hunter x Hunter e de 9 episódios do Naruto clássico. Animador de Brave Story e de Tales of Zestiria: Dawn of the Shepherd.
O trabalho dele no design de cada um dos personagens foi incrível. Muito bom para fanart, autêntico, adequado ao período em que se passa. Mais uma vez, mostrando muita pesquisa e fundamento na criação, sabendo jogar com o público.
Ele ainda conta na sua equipe com: Miyuki Sato, Yōko Kajiyama e Mika Kikuchi. - Visual/Animação.
O anime tem um visual absurdamente harmônico. Desde a maneira como 3D é utilizado em alguns movimentos, na seleção de cores e tonalidades, na fotografia. Tudo casa perfeitamente com a trilha sonora e com a história apresentada na narrativa dos personagens.
Já não bastando ter Matsushima, o staff da Ufotable, que nos apresenta esse espetáculo visual é um time muito entrosado, que trabalhou junto em vários Tales of Zestiria e em títulos do Fate que a Ufotable assumiu.
Direção de Fotografia: Yuichi Terao
Designer de cores: Yuko Omae
Direção 3D: Kazuki Nishiwaki
Edição: Manabu Kamino (trabalhou na edição das últimas temporadas de Attack on Titan e de alguns filmes recentes de Pokémon). - Humor leve.
Desde que eu me entendo por gente, muitos animes shonen alopravam humor na nossa cara… One Piece, Bleach, Fairy Tail e, recentemente, Nanatsu no Taizai e outros. O humor com o tempo foi ficando forçado e repetitivo, com as mesmas piadas parecidas de personagens tarados, baixinhos, com seios grandes, etc.
Kimetsu conseguiu passar algo que eu vi em Saint Seiya quando era criança: o humor é leve e a obra não precisa forçar de nenhuma forma. Os personagens são naturalmente engraçados e isso não altera a natureza deles na hora de levar as coisas a sério. Em alguns momentos até acho Zenitsu desnecessário, mas eu entendo que faz parte.
O que quero passar é que: o anime não precisa de um personagem inútil, como o Mineta de BNH, para fazer as pessoas rirem. - Sequência dos fatos e informações.
Muitas vezes os animes pecam na ordem em que as coisas são passadas para o expectador. Algumas coisas demoram a ser trabalhadas e, no final, são jogadas na nossa cara de qualquer forma. Boku no Hero é bom nisso.
Em Kimetsu, tudo parece vir com calma e a gente vai entendendo aos poucos, sem plots forçados. E não, não estou superestimando e nem preciso dar exemplos. A única parte aparentemente (e utilmente) ligeira é o começo.
Nenhum personagem aprende algo ou fica absurdamente forte do nada se não tiver alguma lógica sobrenatural por trás. Treino exige tempo e as coisas se explicam da devida forma no anime. - Protagonista forte, mas não overpower.
Em muitos animes nós vemos o famoso protagonista overpower (Kirito, de sword art online, é um bom exemplo). Um protagonista invencível é sem graça, mas, ao mesmo tempo, aquele protagonista que apanha muito e precisa ser sempre ajudado por nakama power ou god energy, acaba não sendo tão carismático (Seiya).
Tanjiro é um personagem que está em constante evolução. Sempre dando seu melhor para cumprir sua devoção. Ele não teme a batalha contra o adversário poderoso, procura alternativas, mas ele não é tão poderoso e o anime consegue separar bem os níveis dos seus personagens. - O objetivo não é esquecido.
O propósito do personagem principal é o que guia toda a narrativa do anime. Alguns títulos não se propõem a isso. Já os que buscam, muitas vezes acabam pecando. Por exemplo, nem em todas as temporadas de Hunter x Hunter nós notamos Gon na busca incansável por se tornar Hunter para encontrar o seu pai. O foco dele muda.
Em Kimetsu, o foco de Tanjiro é sempre o objetivo principal dele e nós somos constantemente lembrados disso. - Poderes e habilidades épicas.
Isso não precisa de muita explicação, mas muito shonen realmente coloca vários poderes nos seus personagens e aquelas que são magníficas acabam perdendo um pouco do destaque.
Kimetsu não abre tanto o leque de possibilidades para os caçadores de onis, eles seguem uma mesma linha e, em batalha, o show visual é incrível, com os poderes sempre sendo usados no timing correto, principalmente quando é o Tanjiro ou o Zenitsu em combate.
Já nos onis, até mesmo quando vemos algo que não parece ser muito legal, tem uma história foda por trás daquela habilidade que dá um significado interessante no final. - Composição musical.
Tudo é muito bonito e bem adequado no anime, isso não seria possível sem uma trilha sonora impactante. O drama, a tensão, a emoção são devidamente pelos artistas experientes que compõem a direção musical de Kimetsu no Yaiba.
Yuki Kaijura, 54 anos. Fez parte da composição da trilha sonora de Sword Art Online (2012), de Madoka Magica, de Pandora Hearts e de um que, particularmente, eu curto muito: .Hack//SIGN.
Go Shiina, 45 anos. Esteve presente nos recentes trabalhos da Ufotable. Possui uma vasta carreira em soundtrack para videgames: Tekken 5, 6 e 7, Code Vein, na série God Eater e em muitos outros. - Atualmente, tem muito anime merda.
Kimetsu no Yaiba vai ser considerado, se não já for, uma Master Peace. Isso não é só porque, obviamente, a obra é foda, mas porque a concorrência é uma porcaria.
O anime nem precisa de um enredo do caralho e de plots magníficos para que todo mundo se apaixone. Isso acontece porque tem muita história ruim na concorrência. Personagens sem profundidade.
A verdade é que, no Japão, fazer um mangá sobre qualquer coisa é muito fácil, principalmente hoje. A primeira coisa boa se destaca. Se tivesse surgido em 2002, provavelmente Kimetsu no Yaiba seria esquecido com o tempo.
Antigamente existia um zelo maior por criar uma história boa… Love Hina, Inuyasha, Ashita no Joe, Neon Genesis Evangelion e muito mais.
Além disso, Demon Slayer foi criado numa previsão do que o jovem de hoje compraria (em ideia e em dinheiro). Uma história triste e trágica, com um sentimento pesado envolvendo batalhas épicas.
O jovem de antigamente queria um herói para se inspirar, queria um super poder pra brincar, um cenário para jogar RPG com os amigos ou para fantasiar.
Koyoharu Gotōge entendeu que os tempos mudaram. E é por isso que Kimetsu funciona tão bem.
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